O presidente Jair Bolsonaro(PSL) declarou nesta terça-feira, 3, ter determinado que o Ministério da Educação (MEC) elabore um projeto de lei contra a “ideologia de gênero” no ensino fundamental. O anúncio foi realizado pelo Twitter e não especifica o que seria considerado um conteúdo inadequado. A ideia sempre foi uma bandeira de Bolsonaro, mas havia a dúvida sobre se o governo iria propor algo nesse sentido ou se apenas apoiaria projetos já existente no Congresso sobre o assunto.
“O AGU (Advocacia-Geral da União) se manifesta sobre quem compete legislar sobre IDEOLOGIA DE GÊNERO, sendo competência FEDERAL”, diz postagem (destaques em maiúsculas feitos pelo presidente). No texto, ele justifica que a determinação está “visando princípio da proteção integral da CRIANÇA”.
Cerca de 30 minutos antes, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), havia anunciado o recolhimento de material didático que faria “apologia à ideologia de gênero”, segundo ele. “Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual”, escreveu.
“Solicitei ao secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, anunciou.
O termo ideologia de gênero é usado por grupos conservadores, mas não na academia ou em escolas. As pesquisas que existem são sobre gênero, o que inclui temas como desigualde entre homens e mulheres e preconceitos contra homossexuais. Segundo pesquisadores, depois que a igualdade de gênero foi reconhecida como uma luta das Organização das Nações Unidas (ONU) há 25 anos, grupos contrários — entre eles, membros da Igreja Católica — passaram o usar o termo “ideologia” para combater esse movimento.
Voltado a adolescentes de 13 anos, o material citado pelo governador está em um livro de Ciências e foi elaborado pelo próprio Estado. Segundo a Secretaria da Educação, ele chegou às escolas em agosto e a “responsabilidade pela aprovação do conteúdo” está sendo apurada.
O material traz um texto chamado “Sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual”. Ele aborda a diversidade sexual e explica diferentes termos como “transgênero”, “homossexual” e “bissexual”. No caso de “transgênero”, por exemplo, a definição é “pessoa que nasceu com determinado sexo biológico e que não se identifica com o seu corpo.”
Em imagens do material divulgadas nas redes sociais, está circulado o seguinte trecho: “Podemos dizer que ninguém ‘nasce homem ou mulher’, mas que nos tornamos o que somos ao longo da vida, em razão da constante interação com o meio social.”
“O governador está sinalizando para as pessoas que a homofobia está certa porque está recusando a existência dessas pessoas. Qual o problema de se falar de homossexualidade, se existe até na natureza, nos animais?”, questiona a coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Maira Covre-Sussai. Para ela, reconhecer “as diferentes identidadade de gênero desde a tenra idade é uma forma de promoção de saúde” já que muitos trangêneros e homessexuais sofrem preconceito e violência no País. “Essa resistência é porque somos uma sociedade muito conservadora.”
Ela lembra ainda que mesma resistência acontece com relação à discussão de sexualidade nas escolas, quando os estudos mostram que isso ajuda na prevenção de abusos cometidos até dentro das famílias.
A coleção é chamada de São Paulo Faz Escola, distribuída desde 2008 na rede estadual. O material é dividido por disciplinas, para todos os anos do ensino fundamental e médio.
No primeiro semestre, a gestão Doria não mandou as apostilas para a escola porque entendia que estavam desatualizadas. Só agora no segundo semestre, os novos materiais foram entregues. Eles são produzidos por equipes da secretaria, com apoio de professores.
Segundo nota da secretaria da Educação, “o tema de ‘identidade de gênero’ está em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2017 pelo Ministério da Educação, e também com o Novo Currículo Paulista, aprovado em agosto de 2019″.
A questão de gênero fazia parte da BNCC, mas acabou retirada do texto pela gestão do MEC durante o governo de Michel Temer. Logo depois, ela foi aprovada e o tema ficou restrito a um adendo, que fala sobre educação religiosa e é facultativo às escolas. O texto diz que os adolescentes, em torno dos 15 anos, devem “discutir as distintas concepções de gênero e sexualidade segundo diferentes tradições religiosas e filosofias de vida” e “discutir as diferentes expressões de valorização e de desrespeito à vida, por meio da análise de matérias nas diferentes mídias.”
A nota ainda completa que “o assunto extrapola os dois documentos, que tratam do respeito às diferenças e à multiplicidade de visões da nossa sociedade”. O governo anunciou também que vai instaurar uma comissão de especialistas para analisar esse e todos os outros materiais produzidos para as escolas.
Procurado, o MEC informou que ainda não vai se posicionar sobre o pedido do presidente para elaboração de um projeto de lei sobre “ideologia de gênero”.
Fonte: Agência Estadão Conteúdo