Um ano acabou, outro começou, e a Austrália continua ardendo em chamas. O fogo consome o país desde julho de 2019: cerca de 10 milhões de hectares foram queimados, 28 pessoas morreram e mais de meio bilhão de animais também – isso chutando por baixo: há especialistas que estimam que 1 bilhão de bichos já tenham morrido, sendo os coalas, símbolo do país, uma das espécies mais prejudicadas.
Como se não bastasse a realidade dramática, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, relutou em tratar o problema com a urgência necessária logo no início e foi acusado de manter uma política negacionista em relação ao meio ambiente. O tema continua causando controvérsia, porque além da fumaça dos incêndios, o país tem como principais fontes de energia as minas de carvão, que são grandes poluentes atmosféricos.
E não dá para dizer que os australianos foram pegos de surpresa pelos incêndios: o fenômeno acontece todos os anos de forma natural por lá. De acordo com o governo local, diversas plantas nativas do país são naturalmente inflamáveis, sendo que algumas espécies vegetais dependem do fogo para se regenerar. A chamas têm um papel importante até mesmo para os povos indígenas, que durante muito tempo usaram os rastros do fogo para demarcar territórios.
Acontece que, em setembro de 2019, os bushfires (termo em inglês para se referir especificamente a esses incêndios) saíram do controle. O principal motivo é um fenômeno climático conhecido como Dipolo do Oceano Índico (também chamado de El Niño índico), que causa períodos de calor e seca intensos. Temperaturas acima de 45ºC, ventos fortes, pouca chuva e flora seca caracterizam esse tipo de El Niño. O céu australiano ganhou tons avermelhados por causa das cinzas, e a qualidade do ar ficou 22 vezes pior do que o considerado adequado.
Na verdade, o planeta inteiro sai perdendo, já que o aquecimento global é o principal produto dessa soma de consequências negativas. Incêndios nessas proporções contribuem para lançar na atmosfera quantidades massivas de gases de efeito estufa, que aumentam a temperatura média da Terra.
Há também efeitos secundários que ajudam a esquentar ainda mais o planeta. Na Nova Zelândia, por exemplo, a neve das geleiras ficou marrom graças às cinzas trazidas pelo vento do país vizinho. Esse fenômeno acelera o derretimento do gelo, pois impede que os raios solares sejam refletidos – como resultado, a neve absorve mais luz e calor.
E o resto do mundo também pode sofrer consequências. Na América do Sul, a fumaça chegou no Chile, na Argentina e no Brasil. A Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, publicou imagens de satélites da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos que indicavam o avanço da nuvem sobre o estado do Rio Grande do Sul. Mas, de acordo com o Inpe, a fumaça deixaria o país sem que outros estados fossem afetados.
Segundo o meteorologista Fabio Luengo, da empresa brasileira Somar Meteorologia, ainda é possível observar por satélite uma massa marrom trazida por jatos polares no sul do UruguaI. E, devido às proporções dos incêndios, é difícil dizer quando ela sumirá. “Visivelmente, não temos uma estimativa de tempo para que essa massa suma. Vai demorar para que a atmosfera volte ao normal”, prevê Luengo.