A Câmara está em ritmo de eleições desde que os deputados saíram em recesso parlamentar em julho. A partir de então, uma inércia tomou conta da Casa legislativa. Nesse período, o plenário se reuniu 10 vezes para votar projetos, sendo cinco sessões no chamado “esforço concentrado”. Foram aprovadas apenas 12 matérias. E mesmo com a redução das atividades, os gastos dos políticos com cota parlamentar, o cotão, continuam altos justamente durante a campanha eleitoral. Levantamento realizado pelo Metrópoles calculou que a Câmara ressarciu R$ 18,7 milhões nos meses de julho e agosto aos mandatários.
E essa conta deve crescer ainda mais. Os parlamentares podem declarar as despesas até 90 dias depois de terem feito os gastos. A única limitação imposta pela Câmara para o uso da verba indenizatória durante período eleitoral é relativa à divulgação das atividades dos deputados. Nos 120 dias anteriores ao primeiro turno, os políticos não podem utilizar os recursos com publicidade.
Fora isso, os deputados podem comprar passagens aéreas, alugar espaços para escritórios políticos, pagar hospedagem, alimentação e contas telefônicas, entre outros benefícios.
Cada um dos 513 deputados tem o direito a uma cota mensal. Mas há um limite, que varia de acordo com o estado de origem do parlamentar. Os representantes do DF, por exemplo, podem usar até R$ 30.788,66 por mês. Devido à distância geográfica, os de Roraima têm até R$ 45.240,67.
Enquanto os parlamentares seguem nas ruas em suas campanhas, eles podem continuar a usar a verba indenizatória. Formalmente, os gastos são apresentados pelas assessorias dos deputados, que não param durante o período de eleições.
Oficialmente, a campanha eleitoral deste ano começou em 5 de agosto. Mas, desde o início de julho, políticos visando às indicações de seus nomes pelos partidos para o pleito de outubro já podiam fazer propaganda intrapartidária.
O uso do cotão em período eleitoral cresceu entre os mandatários do Distrito Federal na Câmara. Segundos dados apurados no sistema da Casa, os oito representantes dos brasilienses gastaram, até o momento, R$ 268.528,36 em julho e agosto. Em números absolutos, esse valor é 102,82% maior que o mesmo período de 2014. Naquele ano, o acumulado pelos deputados do DF foi de R$ 133.010,48. Mesmo considerando a inflação do período (27,73%), o aumento foi de 58,78%.
Os gastos de julho e agosto de 2014 ainda são maiores do que os valores observados nos mesmos meses em 2018. Contudo, os deste ano ainda não foram fechados, já que os deputados ainda podem pedir ressarcimento até novembro. Em valores corrigidos pelo mesmo índice inflacionário, a despesa relativa à cota parlamentar de julho e agosto de 2014 ultrapassaria R$ 27,5 milhões. E nessa parcial dos dois meses de 2018, o montante é de R$ 18,7 milhões.
Até agora, em julho e agosto deste ano, os deputados gastaram R$ 4,5 milhões relativos a compras de passagens aéreas. A bancada do DF é a única a não ter direito a esse gasto, já que, teoricamente, os mandatários residem na capital federal. Segundo o portal de transparência da Câmara, os representantes de Goiás não declaram o uso de bilhetes de avião no mês de agosto.
Os deputados podem usar a cota parlamentar para ressarcir despesas com combustíveis. Em julho e agosto, foram cerca de R$ 2,6 milhões destinados a esse tipo de reembolso. Com esse recurso, seria possível comprar cerca de 530 mil litros de gasolina em postos do Distrito Federal.
Além dos gastos com combustíveis, a Câmara também ressarciu os deputados em R$ 3,4 milhões pela locação de veículos. Os parlamentares de Rondônia não apresentaram despesas desse tipo no mês de agosto.
Votações em baixa
A Câmara aprovou, até setembro deste ano, 99 propostas. Esse resultado ainda está longe do desempenho de 2017, quando 170 matérias foram aprovadas pelo plenário. Em 2014, também ano eleitoral, o desempenho não foi muito diferente: 106 projetos aprovados.
Desde o início da campanha eleitoral em agosto, a Câmara realizou sete sessões deliberativas no “esforço concentrado” (7, 8, 13 e 14 de agosto e 4 de setembro). Aprovou, neste período, 12 projetos, sendo sete deles por consenso (em que não há votação formal em painel). Em 2014, durante toda a campanha eleitoral, foram 16 sessões, com 12 matérias aprovadas.
Matérias aprovadas pelo plenário da Câmara:
até setembro de 2018 – 99
2017 – 170
2016 – 130
2015 – 177
2014 – 106
Uso da cota é moral durante as eleições?
A utilização do cotão é alvo de constante fiscalização por representantes da sociedade civil. É o caso da Operação Serenata de Amor, uma plataforma de monitoramento virtual das despesas dos deputados. Eduardo Cuducos, líder do Programa de Inovação Cívica da Open Knowledge Brasil e cofundador do grupo, acredita que o valor médio da cota parlamentar (R$ 39 mil) é “exorbitante”.
Sinto falta de uma discussão mais aberta sobre os porquês das cotas, os valores delas e como prestar contas de forma efetiva. […] É legal isso, mas é moral? É justo? Conversas como essa, acho que podem levar a uma revisão dos limites gerais, e não só em época de eleição.”
Eduardo Cuducos
Cuducos lembra que determinações acerca do uso de cota parlamentar são feitas pelos próprios deputados. “Parece pouco, mas, multiplicando R$ 39 mil por 12 meses, 513 deputados e quatro anos de mandato, temos quase R$ 1 bilhão do orçamento gasto sem que essa discussão ocorra. Tudo é decidido hermeticamente por deputados para deputados. Isso eu acho um erro grave”, avalia.
Largando na frente
Para Wladimir Gramacho, doutor em ciência política pela Universidade de Salamanca (Espanha), os deputados que tentam a reeleição ou concorrem a outros cargos largam na frente nas eleições. O poder financeiro, que pode ser impulsionado pelos benefícios apresentados pela Câmara, influencia nesse desempenho. “Essa é uma vantagem inevitável, uma vez que os parlamentares podem ser candidatos à reeleição indefinidamente. A única forma de impedir que o cargo oferecesse vantagens desse e de outros tipos, como a maior proeminência na imprensa, seria impedir a reeleição”, afirma.
Uma saída para evitar o uso descontrolado da cota parlamentar durante as eleições, segundo Gramacho, seria a licença temporária dos deputados que concorrem nelas.
Acho que os parlamentares em campanha deveriam estar licenciados e competir em condições de maior igualdade. A cota é uma vantagem real que pode desequilibrar o jogo. Em geral, quem tem mais dinheiro tem mais voto.”
Wladimir Gramacho, doutor em ciência política na Universidade de Salamanca (Espanha)
Para Alexandre Bandeira, mestre em administração pela Universidade de Brasília (UnB) e diretor da Strattegia Consultoria, o uso do cotão durante momentos de inatividade do Congresso Nacional deve ser revisto. Ele defende a limitação da utilização da cota não apenas no período eleitoral, mas também em semanas de recesso parlamentar.
“Existem contratos de longa duração que atravessam esses meses. A preocupação é relativa à fiscalização em relação ao mau uso da cota parlamentar. O Congresso precisaria de alguém externo para esse controle e dar um retorno à sociedade. A utilização da cota parlamentar deveria ter um freio também durante períodos de recesso explícito.”
O que diz a Câmara
Procurada, a assessoria da Câmara dos Deputados afirmou não comentar o caráter das despesas durante período eleitoral, mas reiterou que a prática é liberada pelas regras da Casa.
Matéria do portal Metrópoles
Foto: Reprodução da matéria Metrópoles