Morador de Santa Maria, João Miguel costumava chorar bastante. A mãe, Franciele Pereira, buscava ajuda médica e recebia a justificativa de que o choro era causado por cólicas comuns na idade. Aos cinco meses, um quadro febril também foi considerado normal, por coincidir com o nascimento dos primeiros dentes do menino. Quando ele começou a tossir, a mãe o levou ao Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), de onde foi encaminhado ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Houve suspeita de Covid-19 e João Miguel foi transferido ao HCB em junho. “Fiquei feliz por ele ter sido transferido logo, porque ele estava muito mal, precisou de traqueostomia”, conta Franciele.
Depois de receber resultado negativo para o novo coronavírus, o menino foi acompanhado pela equipe de imunologia do HCB, que chegou ao diagnóstico de imunodeficiência combinada grave (SCID, na sigla em inglês). Segundo a imunologista Cláudia Valente, o tratamento indicado é o transplante de medula óssea, que deve ser feito precocemente.
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A história de João Miguel reforça a importância do Sistema de Saúde do DF ser organizado em rede, com as instituições trabalhando em parceria. Com isso, as informações dos atendimentos feitos tanto no Hmib quanto no Hran, somadas a exames específicos feitos no Hospital da Criança foram fundamentais para fechar o diagnóstico da doença grave do paciente.
Deu tudo certo e ele já teve alta. Estamos realizados por termos conseguido oferecer o melhor para o João Miguel Renilson Rehem, superintendente executivo do Hospital da Criança
O HCB já realiza transplantes autólogos (com células da própria criança). Como João Miguel não podia ser transferido, o Hospital recebeu uma autorização excepcional para fazer o transplante alogênico. A irmã Ana Clara Pereira, 16 anos, foi doadora – eles ainda têm uma irmã de 21 anos e um irmão de seis, que não foram compatíveis. O procedimento foi todo realizado no HCB e, segundo Ana Clara, foi um momento de emoção, mas gratificante. “Eu tenho bastante medo de agulha, mas pelo irmão da gente a gente faz tudo. Os profissionais me ajudaram e eu senti um pouco de dor depois, mas tudo deu certo e ele está bem”, diz Ana Clara.
Depois do procedimento, realizado dia 08/07, ele precisou de algumas sessões de hemodiálise, mas já se recupera bem e em casa – voltou ao HCB para fechar a traqueostomia e, agora, segue em acompanhamento ambulatorial. “Ele está se reabilitando: não ria mais, e agora, já voltou a rir; já come um pouco, está chorando menos e dorme durante a noite toda, só acorda para mamar. O choro que ele tem é o de reclamação, normal de uma criança: por dor, ele não chora mais”, afirma a mãe, Franciele.
O superintendente executivo do Hospital da Criança, Renilson Rehem, explicou que o HCB é credenciado para realizar transplantes de medula óssea autólogos desde agosto de 2019 – nessa modalidade, as células progenitoras vêm do próprio paciente. E comemorou: “Deu tudo certo e ele já teve alta. Estamos realizados por termos conseguido oferecer o melhor para o João Miguel. Principalmente porque era um caso grave e em plena pandemia. Estamos todos felizes com essa vitória!” Segundo a diretora técnica do HCB, Isis Magalhães, o Hospital já deu início ao processo de credenciamento para também realizar o procedimento alogênico.
O transplante de João Miguel foi possível porque o Ministério da Saúde considerou o Hospital preparado para o procedimento em caráter emergencial. “Já realizamos 17 transplantes autólogos, a equipe vem se desenvolvendo cada vez mais. Nesse caso, a criança estava em situação crítica, essa era a única solução”, explica Magalhães. Ela reforça que, com a pandemia, seria mais difícil encaminhar o menino a outra instituição de saúde: “Não há outro centro de transplante no Distrito Federal, ele precisaria ser transferido para outro estado”, explica a diretora.
Para o superintendente executivo adjunto do HCB, Gilson Andrade, a realização do transplante exemplifica a dedicação do Hospital com as crianças e adolescentes assistidos. “Foi uma atitude heroica. Nós ainda não estamos autorizados a fazer esse procedimento, mas houve uma série de vontades: a do Hospital; a do próprio Ministério da Saúde de criar uma autorização específica para esse caso. Tivemos o envolvimento da Fundação Hemocentro, nossa própria equipe manteve a fleuma. É um evento que demonstra, fundamentalmente, o compromisso da nossa equipe de ir até as últimas consequências para preservar a vida do paciente”, afirma Andrade.
(Agência Brasília)