Com o Brasil próximo de registrar 400 mil mortes pela covid-19, o Senado deve iniciar nesta terça-feira (27/04) a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que investigará a atuação do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da crise do coronavírus.
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Outro foco da comissão será apurar possíveis ilegalidades no uso de recursos repassados pela União para estados e municípios atuarem contra a pandemia. A expectativa, porém, é que os trabalhos priorizem inicialmente a atuação do governo federal, e já há algumas “munições” disponíveis para serem usadas pelos senadores contra a gestão Bolsonaro.
A CPI poderá solicitar, por exemplo, ao Tribunal de Contas de União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) o compartilhamento de investigações que já apuram possível negligência do governo no abastecimento de medicamentos e insumos para a rede pública, assim como a demora em reagir à falta de oxigênio ocorrida em janeiro no Amazonas.
Além de solicitar documentos (inclusive sigilosos) a outros órgãos, a comissão também pode requerer quebras de sigilos fiscal, bancário e de dados, assim como convocar pessoas para depor. Já entrou na lista de prováveis convocados o ex-secretário de comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, que na última semana fez duras críticas ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Ele culpou o general pela decisão do governo de não adquirir 70 milhões de vacinas oferecidas pela Pfizer no ano passado — a responsabilidade do governo na demora para imunizar a população é um dos principais tópicos que a CPI pretende esclarecer.
Todos os requerimentos propostos na comissão terão que ser fundamentados e receber o aval da maioria dos integrantes para irem adiante. O governo, porém, conta com minoria na CPI, o que torna provável que pedidos perigosos para o presidente sejam aprovados.
Dos onze integrantes da comissão, quatro são aliados do Palácio do Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).
Cinco senadores são considerados independentes, mas têm uma postura crítica sobre a condução do enfrentamento da pandemia pelo governo: Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Os últimos dois são abertamente de oposição a Bolsonaro: Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
A previsão é que nesta terça-feira Omar Aziz seja eleito para presidir a CPI. O acordo entre a maioria dos integrantes é que Renan Calheiros seja o relator da investigação. No entanto, na noite de segunda-feira (26/04), uma liminar concedia na primeira instância da Justiça Federal de Brasília proibiu a escolha do parlamentar. A decisão atendeu a pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP), sob argumento de que Calheiros seria suspeito para relatar a CPI por seu pai do governador do Alagoas, Rena Filho.
O senador disse que vai recorrer da decisão. À BBC News Brasil, ele respondeu a essas críticas na semana passada afirmando que um sub-relator deve ser indicado como responsável caso haja apuração sobre repasses federais a Alagoas.
“Não há precedente na história do Brasil de medida tão esdrúxula como essa. Estamos entrando com recurso e pergunto: por que tanto medo?”, escreveu Calheiros no Twitter.
A comissão tem previsão inicial de durar 90 dias, prazo que pode ser prorrogado. Além do potencial de gerar desgastes para o governo ao longo do seu funcionamento, a CPI será concluída com a produção de um relatório.
Esse documento pode sugerir a aprovação de novas leis pelo Congresso, a remessa ao Ministério Público de suas conclusões para possível responsabilização civil e criminal dos investigados, assim como servir de fundamento para novo pedido de impeachment contra o presidente.
A abertura de um processo para afastar Bolsonaro, porém, depende de decisão individual do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem se mantido aliado do Planalto.
Preocupado, o governo elaborou uma lista de 23 possíveis acusações a serem enfrentadas na comissão, e solicitou aos ministérios que preparem repostas a essas questões.
O documento, elaborado pela Casa Civil e revelado pelo portal UOL, inclui acusações como: o governo federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer; o governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac; o governo minimizou a gravidade da pandemia; o governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas; e o governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS).
Apesar disso, Bolsonaro procurou passar tranquilidade, durante visita à Bahia na segunda-feira (26/04). “Não estou preocupado porque não devemos nada”, disse a jornalistas.
Matéria adaptada da BBC News Brasil
Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado