Por Alexandre Bandeira*
O que muito se temia, ou que se previa, aconteceu: Jair Bolsonaro testou positivo para a COVID-19. O anúncio foi feito pelo próprio presidente, direto dos jardins do Palácio do Alvorada, onde ele já cumpre quarentena. O episódio, no entanto, não é um epílogo nessa relação do mandatário número um do país com a maior pandemia do mundo moderno. Pelo contrário, é neste momento que o caldeirão da mistura onde as crises políticas e sanitárias se encontram, mais se aferventa.
E se engana quem acredita que o Coronavírus Presidencial possa determinar vencedores e perdedores nesta queda-de-braço entre opositores e apoiadores do atual governo. O episódio acaba por gerar discursos positivos e negativos para ambos os lados e devem ganhar os debates, principalmente na virtualidade das redes sociais.
A relação de Jair Bolsonaro e a pandemia da COVID-19 sempre foi muito tensa e épica. O presidente já se submeteu a outros três exames desde a viagem que fez aos EUA em março. Até a revelação dos resultados em 13 de maio, muitas especulações surgiram e muito esforço fora feito pelo Palácio do Planalto para evitar a divulgação dos resultados, já que a mesma era provocada por uma ação judicial junto ao STF, promovida por um jornal considerado inimigo do governo: O Estado de São Paulo. Os resultados deram negativo.
De 13 de maio até a data do exame positivo do presidente da República, a COVID no Brasil saltou de 190.137 casos confirmados e 13.240 mortes, para 1.623.284 casos confirmados e 65.487 mortes. Uma escalada que a oposição do governo certamente deve tirar proveito, ilustrando com diversos episódios em que Jair Bolsonaro participou de manifestações públicas e de atos governamentais, sem observâncias das recomendações da organização Mundial de Saúde (OMS), de distanciamento social e uso de máscaras.
Aliás, a proteção facial sempre foi muito questionada pelo presidente. Tanto que na última quinta-feira (02/07), sancionou, com vetos, a lei que disciplina o uso de máscara em espaços públicos em todo o território nacional (14.019/2020). Foram vetados, por exemplo, a obrigação de uso delas em órgãos públicos, estabelecimentos comerciais, industriais, templos religiosos e instituições de ensino.
Outro aspecto que deve muito ser usado contra o presidente a partir de agora são as frases pronunciadas no passado, tentando qualificar a COVID. Entre elas o famoso “E daí? ”, sobre a escalada de mortes da doença no país; a de que “todos vamos morrer um dia”, questionando as decisões de governadores pelo isolamento social; que o “coronavírus está superdimensionado”, ainda no início da pandemia e a mais famosa delas a de que a COVID “é somente uma gripezinha”, pronunciada em cadeia de rádio e televisão, acompanhada do autoelogio sobre o seu passado atlético, que não sofreria nada, caso pegasse a doença.
Curiosamente é a partir daí que a construção do discurso de quem apóia o governo se inicia. Poderá o presidente comprovar a sua tese de que a COVID não passou de uma “gripezinha”, se passar sem maiores problemas de saúde por ela. Uma tragédia seria acontecer com ele o que aconteceu com o primeiro ministro inglês, Boris Johnson, que criticava a doença e mudou o discurso depois que contraiu a COVID e precisou de cuidados em uma UTI Médica inglesa.
Neste momento a construção do discurso político corre em similaridade ao momento nacional de extrema vinculação entre os cenários político e sanitário no país, onde é impossível dissociar uma coisa da outra. Para o presidente, o mais importante agora é que sua saúde não sofra com a enfermidade. Tão real essa relação, que Jair Bolsonaro já avisou que continuará despachando, agora por videoconferência do Palácio do Alvorada. Mostra assim, que a COVID não alterou sua rotina e sua saúde, mais do que uma simples gripe.
Se tudo correr bem, após o período de quarentena, o presidente se sentirá mais liberto para participar de eventos com aglomerações pelo país afora e defender suas bandeiras, iniciativas e teses pelo final do isolamento e do retorno das atividades econômicas-sociais.
Outro fator importante neste momento é a queda de braço em favor da Hidroxicloroquina. O presidente já está fazendo uso da medicação para cuidar da sua saúde e sem dúvida deverá fazer uso da mesma nos discursos em favor dela, mesmo que questionadas por diversos setores da ciência e medicina. Com comprovação científica ou não, a cloroquina vai voltar a vitrine, tendo como laboratório de experimentação, a saúde presidencial.
Enfim, o teste positivo do presidente é mais um momento importante na trajetória da epidemia do Coronavírus no Brasil, que deve se estender até que a mesma possa ser controlada. E novamente reavivada nos embates políticos eleitorais de 2022. Não faltarão argumentos de parte-a-parte e a pandemia e seus desdobramentos poderão, enfim, determinar quem ocupará o cargo de presidente da República.
*Alexandre Bandeira é Master Consultor da Strattegia Consultoria Política e diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos – Regional DF (ABCOP). É articulista e analista político para instituições, corporações e organismos de imprensa nacionais e internacionais.
Artigo publicado originalmente no site Poder em Rede
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