Depois de investir por mais de um ano e meio no estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) parece cada vez mais próximo de perder seu aliado preferencial: o atual presidente americano e candidato à reeleição pelo partido republicano Donald Trump.
Atrás nas pesquisas eleitorais e amargando taxas de popularidade próximas ao seu piso no mandato, em meio a uma grave crise pandêmica e econômica, que já custou a vida de 130 mil americanos e mais de 30 milhões de empregos, Trump hoje tem menos chances estatísticas do que o democrata Joe Biden de ser o ocupante da Casa Branca a partir do ano que vem.
O modelo da revista britânica The Economist, por exemplo, aponta Biden com 90% de chances de vencer no colégio eleitoral americano, que define o novo presidente.
Para o Brasil, o resultado das eleições presidenciais de novembro nos Estados Unidos é um dos mais importantes na história da relação entre os países.
“Na nossa trajetória de mais de cem anos de política externa republicana tivemos pelo menos outros quatro momentos de alinhamento com os americanos: no início do século, com o Barão do Rio Branco, no governo Dutra, nos anos 1940, na ditadura militar, a partir de 1964 e no governo Collor, nos anos 1990. Mas nesse grau que vemos hoje é inédito. E é inédito também porque é um alinhamento ideológico, parece um alinhamento mais entre governos do que entre países”, diz Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da UFMG.
A harmonia não é evidente apenas em gestos de simpatia, como no convite de Trump para que o filho do presidente brasileiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, estivesse na reunião privada dos dois mandatários no salão oval da Casa Branca em março de 2019, ou nos bonés com slogans do político americano como “Make America Great Again” ou “Trump 2020”, que o mesmo Eduardo gosta de vergar em público.
O Brasil também alterou significativamente sua posição histórica no xadrez global e ancorou suas opiniões na agenda de Trump. Isso aconteceu, por exemplo, na proposta de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, o que apenas os Estados Unidos fizeram até agora, e que foi considerado um desrespeito pelos árabes já que os palestinos disputam o controle de parte da cidade.
Ou em posturas agressivas contra a China e contra órgãos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas ou a Organização Mundial da Saúde. Ou mesmo na posição negacionista e cética em relação ao coronavírus e ao aquecimento global.
E se der Biden na Casa Branca?
A eventual retomada da Casa Branca pelos democratas mudaria sensivelmente ao menos parte desse cenário. “É certo que a agenda do meio ambiente, direitos humanos e direitos trabalhistas que não está na mesa hoje na relação dos dois presidentes deve ser incorporada às discussões bilaterais caso Biden vença”, afirmou à BBC News Brasil Abrão Árabe Neto, vice-presidente executivo da Câmara Americana de Comércio (Amcham) no Brasil.
A possibilidade de mudança tem gerado certa especulação e tensão entre brasileiros, alguns dos quais temem que o país possa ser ostracizado diante das diferenças entre Biden e Bolsonaro – o que anularia todo o investimento feito em uma aproximação que, segundo especialistas em relações internacionais, por enquanto trouxe menos benefícios do que custos ao Brasil.
Contribuiu para o mal-estar uma carta que 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Assuntos Tributários enviaram ao representante comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, no começo de junho.
Na comunicação os deputados diziam: “Nós nos opomos fortemente a buscar qualquer tipo de acordo comercial com o governo Bolsonaro no Brasil. O aprimoramento do relacionamento econômico entre os Estados Unidos e o Brasil, neste momento, iria minar os esforços dos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais brasileiros para promover o Estado de Direito e proteger e preservar comunidades marginalizadas”.
Os dois países têm se esforçado para chegar a consenso sobre temas comerciais não tarifários e há a expectativa de que haja algum anúncio nesse sentido até o fim do ano. Biden já anunciou que o meio ambiente será uma das suas prioridades.
Foto: Reuters / BBC News Brasil
A embaixada brasileira foi a campo, por meio de uma carta, tentar desfazer o mal-estar. O indicado a embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, também passou a procurar individualmente os congressistas que assinaram a carta para uma conversa.
Há cerca de três semanas, por vídeo, ele se reuniu com o congressista Earl Blumenauer, o responsável por comércio na Comissão.
Mas, de acordo com ex-auxiliares de Biden e democratas ouvidos pela BBC News Brasil, não existe o risco de que o Brasil passe a ser tratado como uma espécie de Venezuela da direita em um eventual novo governo democrata.
Primeiro porque o Brasil é visto como um país de relevância regional para ajudar a alterar o regime venezuelano, uma das prioridades no continente tanto para democratas quanto para republicanos.
Segundo porque, lembram os auxiliares, Biden não é Trump e vai atuar para trazer para a mesa de negociação o máximo de aliados possíveis, especialmente em um momento em que o status da China como o adversário a ser batido se tornou um consenso suprapartidário na política americana.
Matéria adaptada da BBC News Brasil