Nesta sexta-feira (20.11), a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec) prestou merecida homenagem ao centenário de Teodoro Freire e seu legado artístico e histórico. No Dia da Consciência Negra, em solenidade na área externa da Biblioteca Nacional de Brasília, o secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, anunciou a atribuição da Medalha do Mérito Cultural a Seu Teodoro, que será entregue aos familiares em abril de 2021.
Veja também
1º DO DF | Após restauração de seu acervo, Museu de Planaltina reabre para visitação
A cerimônia, em homenagem à manifestação que é Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal, contou com a presença dos herdeiros de Seu Teodoro, Guarapiranga e Tamá Freire, além da apresentação de pequeno grupo de brincantes do Circuito de Culturas Populares de Sobradinho.
“É uma honra muito grande receber o Boi de Seu Teodoro”, declarou o titular da cultura do DF após a apresentação que coloriu o Conjunto Cultural da República. Rodrigues explicou que a instituição da medalha a Seu Teodoro, a quem conheceu pessoalmente, visa a preservar a memória de sua luta pela diversidade e pela igualdade. “Brasília é isso, é a diversidade. São as cores que estão estampadas nas roupas que acabamos de vestir”, sintetizou.
A ação foi coordenada pelo subsecretário do Patrimônio Cultural, Demétrio Carneiro. A realização da cerimônia no dia de aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, segundo ele, não foi aleatória. “O dia de hoje remete a pertencimento e identidade. Essa homenagem retrata o sentimento de pertencer a essa cidade, que é muito mais que um espaço geográfico, e permite identificar as questões que movem o processo cultural”, declarou com emoção.
A brasiliense Tamá Freire, segunda filha do Mestre Teodoro, também deixou suas impressões sobre a escolha da data em que foi celebrado o centenário do pai. “O dia da consciência negra não é uma data festiva, mas sim uma data de reflexão, para fazermos desse país o que ele é, considerando sua formação indígena, negra, portuguesa”, depôs.
Ela destaca a ousadia do pai em trazer para uma cidade de apenas três anos de existência o Bumba-Meu-Boi e, posteriormente, o Tambor de Crioula, enfrentando inúmeros desafios em nome do amor à cultura brasileira. “O amor pelo Brasil começa com o amor pelo Bumba meu boi”, completou.
O dia da consciência negra não é uma data festiva, mas sim uma data de reflexão, para fazermos desse país o que ele é, considerando sua formação indígena, negra, portuguesa Tamá Freire, segunda filha do Mestre Teodoro
O sucessor do Bumba Meu Boi de Seu Teodoro, Guarapiranga Freire, avaliou o legado cultural e histórico que o Mestre deixou para cultura popular do Distrito Federal. Ele conta que o Boi e o Tambor de Crioula, trazidos do Maranhão, eram manifestações que o pai carregava no coração. “Outras culturas também vieram de outros estados para o Distrito Federal, mas o Mestre Teodoro ensinou para muitos artistas a cultuar o folclore nordestino dentro da nossa cidade, incentivou os manuseios e as tratativas que envolvem a manifestação cultural”, destacou.
A história
O Distrito Federal é considerado um verdadeiro caldeirão cultural, reconhecido pela diversidade trazida pelas tradições regionais dos povos que vieram na época da construção e inauguração. Ao longo dos 60 anos de vida da capital, várias histórias e costumes de outros estados se enraizaram, tornando-se característica marcante da cultura local. Um dos fenômenos radicados na cidade é “Boi de Seu Teodoro”, idealizado pelo maranhense Teodoro Freire.
Natural do município de São Vicente de Férrer, Teodoro se dizia um apaixonado pelo Bumba-Meu-Boi desde criança, quando aos oito anos teve seu primeiro contato com a manifestação folclórica nordestina. Conta-se que, ainda menino, Seu Teodoro pulava a janela de casa para assistir a apresentações de bois no Maranhão, apaixonando-se a ponto de sonhar com o próprio grupo. Este encanto pelo “Boi” cresceu junto com o menino e desembarcou com o jovem recém-chegado à Brasília recém-inaugurada, em 1962, quando começou a trabalhar como contínuo na Universidade de Brasília.
No ano seguinte a sua chegada ao DF, em 1963, Teodoro criou, em Sobradinho, a Fundação da Sociedade Brasiliense de Folclore, que mais tarde passou a se chamar “Centro de Tradições Populares”. O sonho do jovem apaixonado pelo folclore brasileiro começou a crescer em um local dedicado à difusão das danças e festas regionais, em especial o “Auto do Boi”, que se passa desde o desaparecimento até a morte e ressurreição do animal descrito no conto.
Há 57 anos contando e festejando a lenda do bicho ressuscitado, seu Teodoro construiu um legado artístico, tecendo uma fervorosa rede ancestral. Dançando em louvor, também por meio do Tambor de Crioula, o mestre contou a história do escravo Francisco, que matou o boi de estimação do seu senhor para suprir o desejo da esposa grávida de comer a língua do mamífero. Furioso com o desaparecimento do bicho, o senhor obriga Francisco a ressuscitar o boi. O milagre descrito no mito ocorreu com a ajuda de pajés e curandeiros, salvando o escravo e saudando a volta do animal à vida.
A lenda brasileira contada de modo alegre e irreverente por seu Teodoro ganhou o devido reconhecimento. O boi cultuado no DF foi declarado Patrimônio Cultural de natureza imaterial, mediante registro no Livro de Celebrações do Distrito Federal em 2004. Posteriormente, em 2006, Teodoro Freire foi premiado com a Ordem do Mérito Cultural pelos festejos e a tradição do Bumba Meu Boi pelo governo federal. Falecido em janeiro de 2012, aos 91 anos, seu legado permanece vivo e latente no Bumba Meu Boi, organizado pelo filho caçula, Guarapiranga Freire.
(Agência Brasília)
Foto: Marina Gadelha/Sec. Cultura